O comportamento suicida é extremamente complexo e envolve padrões de pensamentos, ideias que começam com sentimentos de menos valia com a vida, expressando frases como “minha vida não faz sentido, não gostaria de estar vivo, quero morrer ou desejo me matar” e podem evoluir para planejamento de morte e, por fim, com tentativa de suicídio, definida como qualquer ato cometido pela própria pessoa, com o objetivo de dar fim a sua vida. A palavra suicídio deriva do latim, a partir das palavras sui= si mesmo e caedes= ação de matar, do verbo caedo, caedere, caesum, sendo o ato final do comportamento suicida que resulta em morte. Importante salientar que nem todos os indivíduos seguem o percurso com gradação progressiva de ter ideações, fazer planejamento e tentar, muitos apresentam ideação grave e já partem para o ato suicida, ou tem planejamentos e tentam logo a seguir, por isso é muito difícil a previsão real do risco de suicídio em cada indivíduo.
De acordo com os dados da Organização Mundial da Saúde no seu último senso de 2019 (OMS, 2019), o suicídio continua sendo um grave problema de saúde pública, elencado como a quarta causa global de morte em ambos os gêneros na faixa etária de 15 a 29 anos, estando abaixo das taxas de ocorrência de acidentes de carro, de tuberculose e de violência interpessoal. Estima-se que cerca de 700.000 pessoas no mundo morrem, por ano, em decorrência do suicídio, uma média global de 9/100.000 habitantes, com maior concentração em países do leste europeu, regiões de baixa e média renda.
Ademais, segundo a OMS, houve uma redução de 36% na taxa mundial de suicídio, a exceção do continente americano, onde ocorreu aumento de 17%. No Brasil, descreve-se também um aumento de 10% na taxa de suicídio, com prevalência de 6.4/100.000 habitantes, ocorridos principalmente nas regiões sul e centro-oeste, em ambos os gêneros, na faixa etária de 15 a 45 anos. Vale lembrar que os dados oficiais da OMS sobre as taxas de suicídio nos anos em que ocorreu a fase mais crítica da pandemia pelo COVID-19 (2020-2022) ainda não foram publicados. Contudo, diante do aumento drástico da quantidade e da gravidade de fatores de risco para adoecimento mental, que já foram descritos em vários trabalhos científicos, tais como o isolamento social, a privação afetiva, a perda de entes queridos, o desemprego, a redução do padrão econômico, supõe-se que estamos vivendo um período de maior risco para a ocorrência de tentativas de suicídio e, consequentemente, de suicídio.
Entender as obscuridades do comportamento suicida é um desafio. De fato, os motivos que levam um indivíduo a suicidar-se são multifatoriais e variados. Na compreensão do fenômeno, entende-se que existem fatores distais e proximais, que reunidos em quantidades e graus diversos levam a pessoa a ceifar a própria vida. Os distais compreendem aqueles inerentes a genética (carga hereditária recebida dos pais) e a epigenética (interação do ambiente na genética), cuja influência se manifesta desde o período gestacional, as condições de nascimento até o período da infância/adolescência, no qual a negligência parental, os maus tratos e o abuso sexual são extremamente nocivos ao desenvolvimento do sistema nervoso em formação. Os fatores distais referem-se àqueles que se manifestam na vida atual do indivíduo e incluem a presença de psicopatologia (sintomas de depressão, de ansiedade ou psicóticos) e fatores psicossociais negativos que servem de gatilhos, tais como perdas de pessoas queridas, desemprego, desilusões amorosas, dentre outros.
Pensando em fatores causais ou de predisposição, é importante salientar que 95% daqueles que cometem suicídio são portadores de algum transtorno mental, sendo que o transtorno bipolar figura entre o de maior prevalência, seguido pelo transtorno depressivo recorrente. Contudo, quando medimos a qualidade dos sintomas que se apresentam mais frequentemente nas tentativas de suicídio e no suicídio, os do tipo depressivos são os de maior risco, independente da doença mental de base. Dessa forma, estar deprimido, desesperançoso é um grande alerta de risco iminente, agravado ainda mais se essa pessoa for do gênero masculino, morar sozinha, tiver tentativas prévias e houver história de familiares que já se suicidaram.
Evitar o suicídio é uma tarefa importante que implica em ações psicossociais de preservação da saúde mental da população, associada a disponibilização de serviços para acompanhamento ambulatorial psicológico e psiquiátrico para os grupos de risco. Dentro dessa proposta, o setembro amarelo surgiu, em 2015, como um programa de prevenção do suicídio, destinado a população geral. Suas ações implicam em campanhas públicas, para que haja conscientização do tema e redução do comportamento suicida. Para tal, em setembro, cidades iluminam monumentos e praças na cor amarela, debates são dirigidos de forma mais frequente, com o intuito de promover psicoeducação sobre o tema, contribuindo na prevenção do suicídio.
Dentro dessa linha de cuidados, a OMS lançou também, em 2019, um projeto de prevenção, o “viver a vida” (live life), cuja meta é difundir de forma contínua conhecimentos que promovam redução do suicídio, que impeçam o acesso a métodos letais, que eliminem as publicações inadequadas sobre suicídio, que invés de reduzirem o ato, estimulam o aparecimento de novos casos, tais como a divulgação nas mídias de mortes de celebridades por suicídio, fenômeno chamado de efeito Werther. Ademais, estimula-se a criação de ações dirigidas para melhoria das condições de atendimento em psiquiatria, para promoção do bem-estar físico e emocional da população e garantia, principalmente, para aqueles que já padecem de algum transtorno mental, de serviços de atendimento de emergência que forneçam suporte médico-psiquiátrico e psicológico em situações de crise.
Nesse sentido, no Brasil, o Centro de Valorização da Vida (CVV), uma associação civil e sem fins lucrativos, é reconhecido como Serviço de Utilidade Pública Federal e integra todos os estados brasileiros, com prestação de serviço gratuito e sigiloso, a fim de fornecer apoio emocional emergencial na prevenção do suicídio. Ele é destinado àqueles que querem e precisam conversar em determinado momento de sofrimento emocional e com ideação suicida. Os acessos ao sistema de escuta, acolhimento e encaminhamento (quando necessário) ocorrem através de linha telefônica direta 24h no ar (disque 188), pessoalmente em postos de atendimento específicos distribuídos em várias cidades ou através do site www.cvv.org.br, chat e e-mail.
Em virtude do que foi abordado nesse texto, é importante lembrar que cuidar da saúde mental da população em seus vários aspectos é o maior fator de prevenção ao suicídio, sendo assim todo dia deve ser “setembro amarelo”.
Ângela Miranda Scippa. M.D; Ph.D. Professora Titular do Departamento de Neurociências e Saúde Mental da Faculdade de Medicina da Bahia-Universidade Federal da Bahia DNCSM-FMB-UFBA; Professora Permanente do Programa de Pós-graduação em Medicina e Saúde-PPgMS-UFBA; Coordenadora do Centro de Estudos de Transtornos de Humor e Ansiedade-CETHA-UFBA; Coordenadora da Liga Acadêmica de Ciências-LAC-FMB-UFBA; Membro Titular da Academia de Medicina da Bahia.
CRM BA Nº 9897 / RQE Nº 2779