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16h00

Atualização no tratamento Da Hipertensão Arterial Pulmonar

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Elaborado por Dra. Marta Leite
Coordenadora da Comissão de Circulação Pulmonar da SPBA
Pneumologista Clínica do Grupo de Circulação Pulmonar do Hospital Português da Bahia

A hipertensão arterial pulmonar (HAP) é uma condição clínica que cursa com remodelamento do território vascular pulmonar, levando à sua obliteração e consequente aumento da resistência vascular. A elevação da resistência, por sua vez, acarreta aumento das pressões no sistema circulatório, impondo uma sobrecarga ao ventrículo direito, evoluindo progressivamente até a sua total falência, sendo essa a principal causa dos sintomas associados à doença e à morte dos pacientes. Seu tratamento visa, sobretudo, reduzir a sobrecarga das câmaras direitas e suas consequências.

Define-se hipertensão pulmonar (HP) como uma condição em que a pressão média de artéria pulmonar (PmAP) é superior a 20 mmHg. Concomitantemente, se a pressão de oclusão de artéria pulmonar (POAP) for menor ou igual a 15 mmHg, temos a condição de HP pré-capilar; nessa situação, o predomínio da doença vascular está no território arterial. Quando a POAP for superior a 15 mmHg, temos a condição de HP pós-capilar, o que sugere a presença de alterações nas câmaras cardíacas esquerdas. Baseado nestas definições, vê-se que o cateterismo cardíaco direito é fundamental para a caracterização adequada da HP. Vale a pena ressaltar que, enquanto os atuais critérios de HAP incluem valores de resistência vascular pulmonar (RVP) superiores a 3Woods, dados recentes indicam que valores superiores a 2,2Woods já geram impacto negativo na sobrevida desta população e podem apresentar resposta ao tratamento clínico. É possível que futuras definições de HAP incluam, além do critério pressórico de 20 mmHg, valores de RVP superiores a 2,2Woods.

O tratamento farmacológico específico da hipertensão arterial pulmonar (HAP) e a avaliação da resposta terapêutica são responsáveis por avanços significativos no cuidado aos pacientes que sofrem dessa patologia e, muitos avanços ocorreram nessa área nas últimas décadas. Porém, para que seu tratamento seja adequado, são fundamentais o diagnóstico hemodinâmico e a classificação de sua etiologia, já que, em várias delas,  como nas colagenoses, hipertensão portal, cardiopatia congênitas e esquistossomose, há a necessidade de  medidas específicas, além do tratamento farmacológico voltado para HAP.

Medidas Gerais

Após a confirmação diagnóstica da HAP, medidas gerais que objetivem minimizar as consequências da doença devem ser implementadas. Nesse contexto geral, três delas se destacam: evitar a gestação (condição associada a um agravamento da condição hemodinâmica, pela necessidade de aumento do débito cardíaco durante a gestação, resultando em elevada mortalidade materno-fetal), realizar imunização para influenza e pneumococos o oferecer apoio psicossocial aos portadores de HAP e suas famílias.

Além disso, outras medidas ainda podem ser adotadas: uso de diuréticos quando indicado, administração suplementar de oxigênio (em casos selecionados) e a não realização de exercícios físicos extenuantes. Exercícios físicos, com o objetivo de reabilitação, podem e devem ser recomendados, mas sempre sob supervisão e após o início do tratamento farmacológico específico.

Estudos da década de 1980 sugeriam o benefício de anticoagulação, baseando-se nos fenômenos de trombose in situ presentes em estudos de biópsias pulmonares na HAP. No entanto, dados mais recentes sugerem benefício da anticoagulação apenas para pacientes com hipertensão arterial pulmonar idiopática (HAPi), hereditária ou associada ao uso de anorexígenos. Dessa forma, a indicação de anticoagulação em HAP deixou de ser uma conduta universal e passou a estar baseada, caso a caso, na avaliação de risco/benefício. 

Para pacientes com HAPi, hereditária ou induzida por fármacos, o teste de vasorreatividade deve sempre ser realizado durante o cateterismo cardíaco direito, de preferência com a utilização do óxido nítrico inalado. O teste de vasorreatividade visa a identificar um subgrupo de pacientes nos quais o aumento do tônus vascular é o mecanismo predominante na gênese da HAP e não apenas o remodelamento vascular. Esses pacientes devem ser submetidos ao tratamento com bloqueador de canais de cálcio (BCC), incluindo aqui o Anlodipino, Diltiazen ou Nifedipino. Sempre na maior dose tolerada.

Pacientes que não evoluam para classes funcionais (CF) I/ II e/ou não apresentem melhora hemodinâmica após início dos BCC devem receber medicação específica para HAP. Em torno de 5 a 8% dos pacientes diagnosticados com HAPi apresentam resposta aguda à vasodilatação, porém, a metade não persiste com boa resposta clínica ao uso de BCC após um ano de seguimento. Pacientes que não tenham feito teste de vasorreatividade não devem ser tratados com BCC.

Tratamento Específico

O principal achado anatomopatológico na HAP é o remodelamento vascular pulmonar, com espessamento das camadas íntima e média. A vasoconstrição também possui importante papel no desenvolvimento da doença, com aumento do tônus vascular e proliferação das células musculares lisas (CML) das arteríolas. 

O tratamento com fármacos-alvo para HAP baseia-se em produtos farmacêuticos que interferem em três vias fisiopatológicas moleculares:  via da prostaciclina, da endotelina e do óxido nítrico. Tais fármacos apresentam múltiplas apresentações (oral, endovenosa, subcutânea e inalatória) e mudaram de forma substancial a sobrevida dos pacientes com grande impacto na sua qualidade de vida.

1. Via da Prostaciclina

A prostaciclina (PGI2) é uma molécula derivada do ácido araquidônico, capaz de atuar em receptores transmembranas de múltiplos tecidos, com variadas ações biológicas. Na circulação pulmonar, ao estimular o receptor IP, a PGI2 é capaz de induzir o relaxamento das CML das arteríolas pulmonares, com consequente vasodilatação, inibir a sua proliferação, ao estimular a produção do AMP cíclico além de impedir a agregação plaquetária. Por outro lado, outra molécula da via da PGI2, o tromboxano A2 (TXA2) contrabalança seu efeito, promovendo vasoconstrição e aumento da agregação plaquetária. Na HAP, os níveis de PGI2 e a atividade enzimática da prostaciclina sintase estão significativamente reduzidos, e seu equilíbrio pende em direção ao TXA2. 

Dessa forma, uma estratégia para o tratamento de HAP é atuar diretamente no receptor IP, com reposição direta da PGI2 (epoprostenol) ou com fármacos de estrutura análoga à da PGI2 (por exemplo: treprostinil, beraprost e iloprost). Existem, ainda, fármacos capazes de atuar no receptor IP, com estrutura molecular distinta da PGI2 (por exemplo, selexipague).

2. Via da Endotelina

A endotelina-1 (ET1) é um potente vasoconstritor e seus níveis estão bastante  elevados tanto no endotélio vascular pulmonar quanto no sangue de pacientes com HAP. A ET1 age por meio de dois tipos de receptores: os receptores de endotelina A (ETA) e B (ETB) promovendo efeito vasoconstrictor direto, além de estimular a proliferação de células musculares lisas, induzir a fibrose e aumentar a expressão de moléculas de adesão, contribuindo para a gênese e a manutenção da HAP.

 A bosentana e a macitentana são antagonistas dos receptores de endotelina (ARE), bloqueando de forma não seletiva os receptores A e B, enquanto a ambrisentana apresenta maior afinidade pelo receptor ETA. Todas as três substâncias são fármacos orais e mostraram-se eficientes no tratamento da HAP.

 3. Via do Óxido Nítrico (NO)

O NO é um potente vasodilatador endógeno, que atua nas CML vasculares através do estímulo da guanilil ciclase (GC), levando à produção do GMP cíclico. Pacientes com HAP apresentam níveis reduzidos de NO sérico e tecidual. A fosfodiesterase do tipo 5 (PDE-5) é a enzima responsável pela degradação do GMP cíclico. A inibição da PDE-5 leva a um aumento na concentração de GMP cíclico e ao consequente relaxamento das CML, promovendo vasodilatação. 

Sildenafil, Tadalafil e Vardenafil são os fármacos inibidores da PDE-5 (PDE-5i) disponíveis.

Atuando em outro ponto da via do NO, há o Riociguate, um estimulante da GC. Ele potencializa a atividade da GC e a ativa de forma independente ao NO. A GC estimulada pelo Riociguate potencializa a conversão de GTP em GMP cíclico, promovendo vasodilatação. O fármaco pode ser utilizado tanto em HAP quanto em HPTEC.

Estratégias terapêuticas

Nos últimos anos, houve significativa mudança na estratégia do uso dos diferentes fármacos disponíveis, com indicação cada vez mais precoce de tratamento e combinação de fármacos de diferentes vias/classes.

O uso combinado de fármacos apoia-se no potencial de sinergia existente na intervenção simultânea em diferentes vias fisiopatológicas. Comparada com a monoterapia, a associação adicional de um segundo medicamento (terapia combinada sequencial) mostrou-se benéfica para diferentes combinações de fármacos administrados1 , 2 , 3 Tais resultados foram reforçados em uma metanálise de 14 estudos de terapia combinada sequencial e que mostrou redução de piora clínica quando comparada com a monoterapia.4

Embora não haja estudos comparando diretamente a combinação inicial versus sequencial, a evidência sugere que o tratamento combinado inicial seja bem tolerado e benéfico, mesmo em pacientes considerados de baixo risco.5 Dessa forma, a recomendação atual é de que a terapia combinada oral seja considerada ao diagnóstico.

No entanto, para uma minoria de pacientes, a estratégia de monoterapia ainda pode ser indicada. Pacientes portadores de hipertensão portal, HIV, cardiopatia congênita complexa, doença veno-oclusiva ou aqueles com HAPI e alta probabilidade de insuficiência cardíaca esquerda, com fração de ejeção preservada, podem iniciar tratamento utilizando apenas uma classe de fármaco. Além disso, pacientes que são já usuários de monoterapia e estejam em estabilidade clínica por longos períodos não necessitam obrigatoriamente de combinação farmacológica.6

O potencial da combinação de três fármacos desde o diagnóstico também já foi avaliado. Um estudo retrospectivo francês avaliou a eficácia da combinação tripla (epoprostenol, bosentana e sildenafil) no tratamento inicial de pacientes recém-diagnosticados com formas graves de HAP, o que demonstrou melhora na classe funcional, na capacidade de exercício e nos parâmetros hemodinâmicos. O estudo mostrou ainda que a sobrevida dos pacientes com terapia tripla foi melhor do que a prevista pelo registro histórico francês, sugerindo que exista benefício a longo prazo com o uso desta abordagem.7

No entanto, para pacientes menos graves, não há evidência que comprove a eficácia da terapia tripla inicial.

Por outro lado, a combinação sequencial de três fármacos para o tratamento de HAP parece ser eficiente. A adição do Selexipague ao tratamento já estabelecido de ARE e PDE5i foi associada à diminuição do número de hospitalizações e eventos de progressão de doença.8 O benefício identificado foi mais pronunciado em pacientes em classe funcional 2.

Outra potencial estratégia seria a substituição de medicações dentro de uma mesma via, caso o paciente não apresente resposta clínica satisfatória. Apesar de promissora, ela ainda carece de comprovação científica robusta e não deve ser realizada de forma rotineira.9

Estratificação de Risco

Avaliar o risco de progressão da HAP é fundamental para orientar seu tratamento. Estratégias de estratificação de risco de morte, avaliando a combinação de múltiplos marcadores, tanto ao diagnóstico quanto ao longo do tratamento, mostraram-se eficientes para predizer o curso clínico da doença. Estes marcadores incluem: sinais clínicos de insuficiência do ventrículo direito, progressão dos sintomas, síncope, Classe Funcional da OMS, TC6min, Teste Cardio Pulmonar de esforço, níveis séricos de NT-Pró-BNP, exames de imagem (ECO, RM cardíaca) e parâmetros hemodinâmicos (IC).

Diante dessas variáveis poderemos estratificar o risco do paciente, classificando-o em baixo risco, risco intermediário e alto risco. Esta classificação demonstra o risco de morte que o paciente apresenta em 1 ano (podendo chegar em até 15% nos pacientes de alto risco).

Embora seja claro que a avaliação mais abrangente possa ter superioridade em relação à avaliação simplificada, a falta de disponibilidade dos diferentes exames necessários no nosso meio, limita sua utilização. Dessa forma, deve ser considerado o mínimo necessário para o adequado manejo clínico dos pacientes com HAP, através da combinação entre CF, TC6M e BNP, para a identificação de baixo risco ou não baixo risco. Conforme disponibilidade, exames de ressonância magnética, ecocardiograma e teste cardiopulmonar de esforço devem ser considerados, haja vista seu potencial papel adjuvante.

Atualmente existem outras vias fisiopatológicas em estudo na hipertensão arterial pulmonar e, em breve, teremos novas drogas disponíveis para esta terrível patologia.

No Brasil temos disponíveis os seguintes fármacos:

  • Sildenafil ( Tadalafil perdeu o registro no Brasil para sua utilização na HAP e hoje é usado apenas para disfunção erétil)
  • Riociguate (registrado pela Anvisa mas ainda não incorporado à Conitec para dispensação pública)
  • Ambrisentana
  • Bosentana
  • Macicentan (registrado pela Anvisa mas ainda não incorporado à Conitec para dispensação pública)
  • Iloprost
  • Selexipague (registrado pela Anvisa mas ainda não incorporado à Conitec para dispensação pública)

Em resumo, o objetivo do tratamento da HAP é fazer com que o paciente permaneça ou atinja baixo risco de progressão de doença. Para isso, as diferentes estratégias já discutidas são utilizadas de acordo com a estratificação de risco encontrada inicialmente ao diagnóstico e revista periodicamente, já que, como foi mencionado incialmente, estamos lidando com uma doença grave, progressiva e, até o momento, sem cura definitiva a ser oferecida.

Referências:

1.Sitbon O, Channick R, Chin KM, Frey A, Gaine S, Galiè N, et al. Selexipag for the Treatment of Pulmonary Arterial Hypertension. N Engl J Med. 2015;373(26):2522-33. doi: 10.1056/NEJMoa1503184
 2.Pulido T, Adzerikho I, Channick RN, Delcroix M, Galiè N, Ghofrani HA, et al. Macitentan and Morbidity and Mortality in Pulmonary Arterial Hypertension. N Engl J Med. 2013;369(9):809-18. doi: 10.1056/NEJMoa1213917
3.Galiè N, Barberà JA, Frost AE, Ghofrani HA, Hoeper MM, McLaughlin VV, et al. Initial Use of Ambrisentan plus Tadalafil in Pulmonary Arterial Hypertension. N Engl J Med. 2015;373(9):834-44. doi: 10.1056/NEJMoa1413687
4.Lajoie AC, Lauzière G, Lega JC, Lacasse Y, Martin S, Simard S, et al. Combination Therapy versus Monotherapy for Pulmonary Arterial Hypertension: A Meta-analysis. Lancet Respir Med. 2016;4(4):291-305. doi: 10.1016/S2213-2600(16)00027-8
5. Lajoie AC, Lauzière G, Lega JC, Lacasse Y, Martin S, Simard S, et al. Combination Therapy versus Monotherapy for Pulmonary Arterial Hypertension: A Meta-analysis. Lancet Respir Med. 2016;4(4):291-305. doi: 10.1016/S2213-2600(16)00027-8
6.Galiè N, Channick RN, Frantz RP, Grünig E, Jing ZC, Moiseeva O, et al. Risk stratification and Medical Therapy of Pulmonary Arterial Hypertension. Eur Respir J. 2019;53(1):1801889. doi: 10.1183/13993003.01889-2018. 
7.Sitbon O, Jaïs X, Savale L, Cottin V, Bergot E, Macari EA, et al. Upfront Triple Combination Therapy in Pulmonary Arterial Hypertension: A Pilot Study. Eur Respir J. 2014;43(6):1691-7. doi: 10.1183/09031936.00116313. 
8.Coghlan JG, Channick R, Chin K, Di Scala L, Galiè N, Ghofrani HA, et al. Targeting the Prostacyclin Pathway with Selexipag in Patients with Pulmonary Arterial Hypertension Receiving Double Combination Therapy: Insights from the Randomized Controlled GRIPHON Study. Am J Cardiovasc Drugs. 2018;18(1):37-47. doi: 10.1007/s40256-017-0262-z.
9.Fernandes CJCS, Humbert M, Souza R. Challenging the Concept of Adding More Drugs in Pulmonary Arterial Hypertension. Eur Respir J. 2017;50(3):1701527. dois: 10.1183/13993003.01527-2017. 
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