
Enquanto a oferta de médicos explode no país, isso não acarreta em uma assistência de melhor qualidade
As provas de português, redação, e as de temas específicos, da segunda etapa do vestibular-2022, da Fuvesp – Fundação Universitária para o Vestibular -, o maior do Brasil, foram aplicadas no período de 15-17 do corrente, em São Paulo. Obedecendo a uma tendência das últimas décadas, Medicina permanece a mais procurada e a de maior concorrência.
As 10 carreiras mais disputadas em SP (candidatos/vagas) são: Medicina (São Paulo) 124,8/vaga; Medicina (Ribeirão Preto) 100,8/vaga; Medicina (Bauru) 96,1/vaga; Psicologia (São Paulo) 62,2/vaga; Relações Internacionais (São Paulo) 47,2/vaga; Ciências Biomédicas (São Paulo) 45,0/vaga; Curso Superior de Audiovisual (São Paulo) 43,3/vaga; Psicologia (Ribeirão Preto) 39,2/vaga; Design (São Paulo) 34,7/vaga; Medicina Veterinária (São Paulo) 33,0/vaga.
O número de escolas médicas no País e o quantitativo de vagas oferecidas por escola crescem de forma desenfreada. Muito teríamos a comemorar se esse crescimento fosse planejado e proporcional às nossas necessidades, e pudesse traduzir a qualidade na assistência à saúde da população. Entretanto, enquanto explode a oferta de médicos no País, isso não se faz acompanhar de uma assistência de melhor qualidade. A distribuição dos médicos não é planejada de forma a atender às necessidades básicas da população. Ainda que se possa coibir a criação de novas escolas de Medicina no Brasil, mediante diversos artifícios, continua sendo oferecido maior números de vagas por escola. O Brasil tem hoje mais do que o dobro de médicos que tinha no início do século. Em 2000, eram 230.110 médicos. Em 2020, eles somam 502.475 profissionais. Nesse período, a relação de médico por mil habitantes também cresceu significativamente, na média nacional. Passou de 1,41 para 2,4. É o que mostra o estudo Demografia Médica no Brasil 2020, resultante de uma colaboração entre o Conselho Federal de Medicina (CFM) e a Universidade de São Paulo (USP). Os dados apontam que a proporção de médicos por habitantes no Brasil é superior à do Japão e se aproxima dos índices dos Estados Unidos (2,6), Canadá (2,7) e Reino Unido (2,8).
Segundo aponta o presidente do CFM, Mauro Ribeiro, o número de médicos é suficiente. O problema está na distribuição, em que ficam sediados nos grandes centros urbanos. Segundo mostra o estudo, em estados das regiões Sudeste e Sul e em cidades mais desenvolvidas a proporção é muito maior do que a razão de 3,5 médicos por mil habitantes, que é a média dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Nas capitais brasileiras, essa média fica em 5,65 médicos por grupo de mil habitantes, sendo que as maiores concentrações foram registradas em Vitória (13,71), Florianópolis (10,68) e Porto Alegre (9,94).
Para o professor Mário Scheffer, da USP, que coordenou o desenvolvimento do estudo, o crescimento médio da força de trabalho médico foi impulsionado pela abertura de novas escolas médicas e pela expansão de vagas em cursos de Medicina já existentes. “Apenas na última década, de 2010 a 2019, 179.838 novos médicos entraram no mercado de trabalho no Brasil.
Nos últimos 100 anos, o aumento no número de médicos foi proporcionalmente cinco vezes maior do que o de habitantes. Em 1920, ponto de referência do estudo, existiam 14.031 médicos no país. Um século depois, a quantidade é 35,5 vezes maior. No mesmo período, a população do país aumentou 6,8 vezes, passando de 30.635.605 para 210.147.125 habitantes,
Até os anos 1970, o crescimento no número de médicos era proporcional ao da população, aumentando numa velocidade maior durante o regime militar e subindo de forma acelerada desde 2010. Nos últimos 50 anos, o número de médicos cresceu quase quatro vezes mais que o da população. Em 1970, o país tinha 42.718 médicos e uma população de 94,5 milhões de pessoas. Em 2020, são mais de 500 mil médicos para 210 milhões de brasileiros. No período, o número de médicos aumentou 11,7 vezes, enquanto a população elevou-se 2,2 vezes.
Médicos trabalham em média 40 anos e anualmente cresce o número de novos formandos. Estima-se que, em 2024, 31.849 novos médicos entrem no mercado de trabalho, o que corresponde ao número de vagas de graduação oferecidas no país em 2017. Esse contingente previsto é mais que o dobro do número de médicos que se registraram nos CRMs em 2012, que foi de 16.425.
A projeção feita pelo professor Milton de Arruda Martins, também da USP, é que daqui a 45 anos o Brasil tenha cerca de 1,5 milhão de médicos para aproximadamente 250 milhões de habitantes. Essa projeção se sustenta no saldo entre o número de médicos que entram e saem do mercado de trabalho. De 2000 a 2019, por exemplo, 280.948 novos médicos se registraram nos CRMs e 29.584 saíram, por morte ou cancelamento do registro, gerando um saldo de 251.364.
Com 342 escolas médicas e a oferta de 35.622 novas vagas anualmente, o Brasil tem hoje uma média de 10,4 recém-formados em medicina para cada grupo de 100 mil habitantes. Este índice é superior aos índices da França (9,5), Chile (8,82), Estados Unidos (7,76), Canadá (7,7), Coreia do Sul (7,58), Japão (6,94) e Israel (6,9), entre outros países.
A tendência é que, em poucos anos, o Brasil aumente a proporção de médico recém-formados, alcançando a média de 16 recém-formados por 100 mil habitantes hoje existente em Portugal e em países do Leste Europeu. proporção já é maior do que a dos países da OCDE.
Além das capitais, os médicos tendem a se fixar nas cidades com um maior número de habitantes. Enquanto nos municípios com mais de 500 mil moradores, a média é de 4,89 médicos por mil habitantes, nas localidades com até 5 mil pessoas, a relação é de 0,37. Só a partir dos municípios com mais de 100 mil habitantes é que é possível alcançar a média de 2,27. O Estudo Demografia Médica mostra que os 48 municípios com mais de 500 mil habitantes reúnem 66 milhões de pessoas (31,7% da população do país) e contam com 325.490 médicos (62,4%). Já nos 1.253 municípios com até 5 mil moradores vivem 4,2 milhões de pessoas, que são atendidas por 1.557 médicos.
O número de médicos no Brasil é suficiente, mas o problema está na distribuição. Essas informações são por demais estarrecedoras e exigem ações efetivas e imediatas para o bem da própria sociedade.
Jorge Pereira
Professor Titular da FMBA-UFBA
Diretor de comunicação da Academia de Medicina da Bahia
Presidente da SPBA